- A Balada dos mortos dos campos de concentração
Cadáveres de Nordhausen Erla,
Belsen e Buchenwald!
Ocos flácidos cadáveres
Como espantalhos largados
Na sementeira espectral
Dos ermos campos estéreis
De Buchenwald e Dachau.
Cadáveres necrosados
Amontoados no chão
Esquálidos enlaçados
em beijos estupefatos
Como ascetas siderados
Em presença da visão.
Cadáveres putrefatos
Os magros braços em cruz
Em vossas faces hediondas
Há sorrisos de giocondas
Em vossos corpos, a luz
Que da treva cria a aurora.
Cadáveres fluorescentes
Desenraizados do pó
Grandes, góticos cadáveres!
Ah doces mortos atônitos
Quebrados a torniquete
Vossas louras manicuras
Arrancaram-vos as unhas
No requinte da tortura
Da última toalete...
A vós tiraram a casa
A vós tiraram o nome
Fostes marcados a brasa
E vos mataram de fome!
Vossas peles afrouxadas
Sobre os esqueletos dão-me
A impressão que éreis tambores -
Os instrumentos do Monstro -
Desfibrados a pancada:
Ó mortos de percurção!
Cadáveres de Nordhausen
Erla, Belsen e Buchenwald!
Vós sois o humos da terra
De onde a árvore do castigo
Dará madeira ao patíbulo
E de onde os frutos da paz
Tombarão o chão da guerra!
Vinicius de Moraes
- O Pesadelo
Não foi um pesadelo.
Não era um sonho.
O arame farpado, as botas,
a crueldade tudo podiam.
E nada respeitavam.
Uma história multimilenar
um dia-a-dia de paz:
tudo foi reduzido às
proporções da morte.
Milhares e milhões de irmãos
aviltados,
mortos,
O que podemos fazer em vossos nomes?
Viveres
na
eterna
memória
dos
justos.
Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo. Chevra Kadisha.
- É isto um homem?
Vocês que vivem seguros
Em suas cálidas casas,
vocês que, voltando à noite,
encotram comida quente e rostos amigos
pensem bem se isto é um homem
que trabalha no meio do barro,
que não conhece paz,
que luta por um pedaço de pão,
que morre por um sim ou por um não.
pensem bem se isto é uma mulher,
sem cabelos e sem nome,
sem mais força para lembrar,
vazios os olhos, frio o ventre,
como um sapo no inverno.
Pensem que isto aconteceu:
eu lhes mando estas palvras.
Gravem-na em seus corações,
estando em casa, andando na rua,
ao deitar, ao levantar:
repitam-nas a seus filhos.
Ou, se não, desmorone-se a sua casa,
a doença torne invélidos,
ou seus filhos verem o rosto para não vê-los
- Fuga da morte
nós o bebemos ao meio-dia e de manhã nós bebemos de noite
nós bebemos bebemos
cavamos um tumulo nos ares lá nã se jaz apertado
Um homem mora na casa bole com cobras escreve
escreve para a Alemanha quando escurece teu cabelo de ouro Margarete
escreve e se planta diante da casa e as estrelas faíscam ele assobia os seus mastins
assobia para os judeus manda cavar um tumulo na terra
ordena-nos agora toquem para dançar.
Leite negro da madrugada nós te bebemos a noite
nós te bebemos de manhã e ao meio-dia nós te bebemos de noite
nós bebemos bebemos
Um homem mora na casa e bole com cobras escreve
- escreve para a Alemanha quando escurece teu cabelo de ouro Margarete
Teu cabelo de cinzas Sulamita cavamos um túmulo nos ares lá não se jaz apertado
Ele brada cravem mais fundo na terra vocês aí cantem e toquem
agarra a arma na cinta brande-a a seus olhos são azuis
cravem mais fundo as enxadas vocês aí continuem tocando para dançar
Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
nós te bebemos ao meio-dia e de manhã nós te bebemos de noite
nós bebemos bebemos
um homem mora na casa teu cabelo de ouro Margarete
teu cabelo de cinzas Sulamita ele bole com cobras
Ele brada toquem a morte mais doce a morte é um dos mestres da Alemanha
ele brada troquem mais fundo os violinos ai vocês sobem como fumaça no ar
aí vocês tem um túmulo nas nuvens lá não se jaz apertado.
Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
nós te bebemos ao meio-dia morte é um dos mestres da Alemanha
nós te bebemos ao meio-dia e de manhã nós bebemos bebemos
a morte é um dos mestres da Alemanha seu olho é azul
acerta-te com uma bala de chumbo acerta-te em cheio
um homem mora na casa teu cabelo de ouro Margarete
ele atiça seus mastins sobre nós e sonha a morte é um dos mestres da Alemanha
teu cabelo de ouro Margarete
teu cabelo de cinzas Sulamita.Paul Celan
Tradução: Modesto Carone
4.000 mil a.
- A Balada do teatro pardo: Espetáculo no cárcere de Lubick
Ilumina a ribalta, Pai Shakespeare!
Para a nova arte de uma nova Europa.
E apronta – ó mundo – os teus ouvidos surdos
para escutar esta balada.
Vai começar o espetáculo...
Sem cenários nem cartazes,
por trás de muros e grades,
desenrola-se o ato que inicia o nosso drama –
Abraçada por um negro cavalheiro
uma dama, branca como a neve,
ordena ao público que respira opresso:
Achtung!
Atenção, fileira de mortos!
Que se apresente, sem murmúrios, nem clamores,
o mais jovem dos defuntos...
E que cante o hino “Horst Wessel”
e o auditório profira o juramento:
sobre o que iremos ver e ouvir
até o galo em seu canto calará!
Achtung!
Alerta, fileiras e mortos!
Onde está o mais jovem dos defuntos?
Quem cantará o “Horst Wessel”?
Surgem da cela, no fundo,
sete defuntos,
com taletim e mortalhas,
e param junto à parede
com uma vela acesa em cada mão...
Os olhares do povo se cruzam,
e impelidos pela febre,
retornam para a dama –
olhos de pais, olhos de mães,
mil corações palpitando.
Todos buscam suas pupilas.
E ela balouça a corda, esperando.
Quem for atingido pelo seu olhar agudo
nunca mais retornará...
Balouça-se
esperando
a corda...
A lua dependura-se nas grades:
faces macilentas, rostos cor de mate...
E tateia com seus dedos pálidos
alguém que da massa s aparta...
É uma loira criatura,
de cujos olhos azuis
pendem gotas de orvalho.
U’a mãe judia a teria amamentado?
A lua tateia com seus dedos pálidos
e de sombrio aglomerado elege a mulher.
Eis que o luar percebe um ventre intumescido...
Avistam-no também a dama e o cavalheiro.
A dama não se perturbando
golpeia a parede e clama por parteiros:
“Um comunista está nascendo!
E ele cantará o ‘Horst Wessel’,
e será o primeiro dos defuntos”.
Ressoam sete vezes entoando:
“Alemanha, Alemanha acima de tudo”.
Trajes de mortos esvoaçam...
Cai o pano do teatro.
No intervalo
saltaram num dó ato
os miolos da cabeça e do ventre as entranhas.
Para satisfazer uma necessidade humana,
o público pagava
com jóias e com ouro
e moedas estrangeiras...
A vida corria a preço de um níquel
e um gole de água
custava... um anel de casamento.
O guarda tinha um aparelho
que de fezes fazia pão à vontade:
é o balde de imundícies.
E duas servas ele empregou
que as renovam sem cessar.
Os judeus tem jóias e roupas
e o guarda desenvolve o negócio
com um lápis e um caderno.
Hirsch Glick
Tradução de Jacó Guinsburg
- FRIO AÇO DA MORTE
Em Jerusalém, mãe do Universo, no abismo da noite
ouvi o estranho alarde da multidão e o passo marcial,
o estranho alarde da multidão e o passo marcial.
Pelas vigias das cavernas dos Montes de Beter
vi tochas, acesas em segredo,
tochas acesas em segredo.
E entre as frestas das rochas abriram-se portas,
e ali bigornas de ferro, e fogo em toda parte,
bigornas de ferro, e fogo em toda parte.
E como um mar expelido, como uma avalanche de montanha,
em silente conspiração
de fora mil milhares romperam numa torrente,
mil milhares romperam numa torrente.
Esquisitos e estranhos. Porém por vezes reconhecia
entre eles rostos mui preciosos cuja falta sentia,
rostos mui preciosos cuja falta eu sentia.
De Dachau, Varsóvia, Kiev, de Treblinka – um grande
exército, que o inimigo matara dia e noite,
que o inimigo matara dia e noite.
Das profundezas da terra e dos caminhos subterrâneos chegaram,
e o aço frio da morte em seu coração levaram,
o frio da morte em seu coração levaram.
E cada um calado se postou junto a uma chama,
e o aço frio da morte entregou-se ao malho,
o frio da morte entregou-se ao malho.
E pai e avô, e irmão e irmã, e mulher e criança,
tempera, tempera, malha, malha, brume o aço,
tempera, malha, malha, brume o aço.
E um terrível segredo selou todos os lábios juntos:
Esconde-te Germânia edomita, esconde-te com temor,
Germânia edomita, esconde-te com temor!
Sch. Schalom
Tradução: Zipora Rubinstein - NA RUA VAZIA
Na rua vazia, toa veneziana fechada.
Donde vim? E para onde
vou? Bloco
cinzento de casas ao sol ardente. Não é aqui
o meu lar. Esta rua não me pertence. Meu lar
não é aqui; o sol arde
sob meus pés. Ninguém comigo, em toda a rua não há quem possa dar-me
resposta, uma única palavra redentora...
- E de repente o carro surge,
rostos máscaras... Grito... e uma mão estendida...
Meu Deus, meu Deus, abre, abre-me uma porte!
Túvia Rivner
Tradução de Zipora Rubinstein
- COMIGO LEVAREI PARA SEMPRE
Comigo levarei para sempre com o coração pulsante, com tristeza Maidanek e Treblinka, o gueto enfurecido Escavada pelos versículos do profeta, por maldição e tempestade, Em ti soprará a sua areia desolada. - Tu olvidarás, ingênua e conscientemente tal como o pecador ao seu vício torna. Por meu amor! (Um tal amor ainda não conheceste). Acenderei em tua memória o seu lúgubre canto. Seu aspecto – silêncio em majestosa sabedoria e dor, seu aspecto – semblante cortado pelo destino, horror. Como construirás a parede de teu lar e o portão, pois esta voz bater-te-á na janela como a luz.
Tradução de Zipora Rubinstein