25.5.09

4.10 Poemas



  • A Balada dos mortos dos campos de concentração

Cadáveres de Nordhausen Erla,

Belsen e Buchenwald!

Ocos flácidos cadáveres

Como espantalhos largados

Na sementeira espectral

Dos ermos campos estéreis

De Buchenwald e Dachau.

Cadáveres necrosados

Amontoados no chão

Esquálidos enlaçados

em beijos estupefatos

Como ascetas siderados

Em presença da visão.

Cadáveres putrefatos

Os magros braços em cruz

Em vossas faces hediondas

Há sorrisos de giocondas

Em vossos corpos, a luz

Que da treva cria a aurora.

Cadáveres fluorescentes

Desenraizados do pó

Grandes, góticos cadáveres!

Ah doces mortos atônitos

Quebrados a torniquete

Vossas louras manicuras

Arrancaram-vos as unhas

No requinte da tortura

Da última toalete...

A vós tiraram a casa

A vós tiraram o nome

Fostes marcados a brasa

E vos mataram de fome!

Vossas peles afrouxadas

Sobre os esqueletos dão-me

A impressão que éreis tambores -

Os instrumentos do Monstro -

Desfibrados a pancada:

Ó mortos de percurção!

Cadáveres de Nordhausen

Erla, Belsen e Buchenwald!

Vós sois o humos da terra

De onde a árvore do castigo

Dará madeira ao patíbulo

E de onde os frutos da paz

Tombarão o chão da guerra!

Vinicius de Moraes


  • O Pesadelo

Não foi um pesadelo.

Não era um sonho.

O arame farpado, as botas,

a crueldade tudo podiam.

E nada respeitavam.

Uma história multimilenar

um dia-a-dia de paz:

tudo foi reduzido às

proporções da morte.

Milhares e milhões de irmãos

aviltados,

mortos,

O que podemos fazer em vossos nomes?

Viveres

na

eterna

memória

dos

justos.

Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo. Chevra Kadisha.


  • É isto um homem?

Vocês que vivem seguros

Em suas cálidas casas,

vocês que, voltando à noite,

encotram comida quente e rostos amigos

pensem bem se isto é um homem

que trabalha no meio do barro,

que não conhece paz,

que luta por um pedaço de pão,

que morre por um sim ou por um não.

pensem bem se isto é uma mulher,

sem cabelos e sem nome,

sem mais força para lembrar,

vazios os olhos, frio o ventre,

como um sapo no inverno.

Pensem que isto aconteceu:

eu lhes mando estas palvras.

Gravem-na em seus corações,

estando em casa, andando na rua,

ao deitar, ao levantar:

repitam-nas a seus filhos.

Ou, se não, desmorone-se a sua casa,

a doença torne invélidos,

ou seus filhos verem o rosto para não vê-los


Primo Levi - Sobrvivente do holocausto


  • Fuga da morte

Leite negro da madrugada nós o bebemos de noite
nós o bebemos ao meio-dia e de manhã nós bebemos de noite
nós bebemos bebemos
cavamos um tumulo nos ares lá nã se jaz apertado
Um homem mora na casa bole com cobras escreve
escreve para a Alemanha quando escurece teu cabelo de ouro Margarete
escreve e se planta diante da casa e as estrelas faíscam ele assobia os seus mastins
assobia para os judeus manda cavar um tumulo na terra
ordena-nos agora toquem para dançar.

Leite negro da madrugada nós te bebemos a noite
nós te bebemos de manhã e ao meio-dia nós te bebemos de noite
nós bebemos bebemos

Um homem mora na casa e bole com cobras escreve
  • escreve para a Alemanha quando escurece teu cabelo de ouro Margarete
    Teu cabelo de cinzas Sulamita cavamos um túmulo nos ares lá não se jaz apertado
    Ele brada cravem mais fundo na terra vocês aí cantem e toquem
    agarra a arma na cinta brande-a a seus olhos são azuis
    cravem mais fundo as enxadas vocês aí continuem tocando para dançar

    Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
    nós te bebemos ao meio-dia e de manhã nós te bebemos de noite
    nós bebemos bebemos
    um homem mora na casa teu cabelo de ouro Margarete
    teu cabelo de cinzas Sulamita ele bole com cobras
    Ele brada toquem a morte mais doce a morte é um dos mestres da Alemanha
    ele brada troquem mais fundo os violinos ai vocês sobem como fumaça no ar
    aí vocês tem um túmulo nas nuvens lá não se jaz apertado.

    Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
    nós te bebemos ao meio-dia morte é um dos mestres da Alemanha
    nós te bebemos ao meio-dia e de manhã nós bebemos bebemos
    a morte é um dos mestres da Alemanha seu olho é azul
    acerta-te com uma bala de chumbo acerta-te em cheio
    um homem mora na casa teu cabelo de ouro Margarete
    ele atiça seus mastins sobre nós e sonha a morte é um dos mestres da Alemanha
    teu cabelo de ouro Margarete
    teu cabelo de cinzas Sulamita.

    Paul Celan
    Tradução: Modesto Carone
    4.000 mil a.


  • A Balada do teatro pardo: Espetáculo no cárcere de Lubick

    Ilumina a ribalta, Pai Shakespeare!
    Para a nova arte de uma nova Europa.
    E apronta – ó mundo – os teus ouvidos surdos
    para escutar esta balada.

    Vai começar o espetáculo...

    Sem cenários nem cartazes,
    por trás de muros e grades,
    desenrola-se o ato que inicia o nosso drama –
    Abraçada por um negro cavalheiro
    uma dama, branca como a neve,
    ordena ao público que respira opresso:

    Achtung!
    Atenção, fileira de mortos!
    Que se apresente, sem murmúrios, nem clamores,
    o mais jovem dos defuntos...
    E que cante o hino “Horst Wessel”
    e o auditório profira o juramento:
    sobre o que iremos ver e ouvir
    até o galo em seu canto calará!

    Achtung!
    Alerta, fileiras e mortos!
    Onde está o mais jovem dos defuntos?
    Quem cantará o “Horst Wessel”?
    Surgem da cela, no fundo,
    sete defuntos,
    com taletim e mortalhas,
    e param junto à parede
    com uma vela acesa em cada mão...
    Os olhares do povo se cruzam,
    e impelidos pela febre,
    retornam para a dama –
    olhos de pais, olhos de mães,
    mil corações palpitando.

    Todos buscam suas pupilas.
    E ela balouça a corda, esperando.
    Quem for atingido pelo seu olhar agudo
    nunca mais retornará...
    Balouça-se
    esperando
    a corda...

    A lua dependura-se nas grades:
    faces macilentas, rostos cor de mate...
    E tateia com seus dedos pálidos
    alguém que da massa s aparta...
    É uma loira criatura,
    de cujos olhos azuis
    pendem gotas de orvalho.
    U’a mãe judia a teria amamentado?
    A lua tateia com seus dedos pálidos
    e de sombrio aglomerado elege a mulher.
    Eis que o luar percebe um ventre intumescido...
    Avistam-no também a dama e o cavalheiro.
    A dama não se perturbando
    golpeia a parede e clama por parteiros:
    “Um comunista está nascendo!
    E ele cantará o ‘Horst Wessel’,
    e será o primeiro dos defuntos”.
    Ressoam sete vezes entoando:
    “Alemanha, Alemanha acima de tudo”.
    Trajes de mortos esvoaçam...
    Cai o pano do teatro.

    No intervalo
    saltaram num dó ato
    os miolos da cabeça e do ventre as entranhas.
    Para satisfazer uma necessidade humana,
    o público pagava
    com jóias e com ouro
    e moedas estrangeiras...
    A vida corria a preço de um níquel
    e um gole de água
    custava... um anel de casamento.
    O guarda tinha um aparelho
    que de fezes fazia pão à vontade:
    é o balde de imundícies.
    E duas servas ele empregou
    que as renovam sem cessar.
    Os judeus tem jóias e roupas
    e o guarda desenvolve o negócio
    com um lápis e um caderno.

    Hirsch Glick
    Tradução de Jacó Guinsburg



  • FRIO AÇO DA MORTE

    Em Jerusalém, mãe do Universo, no abismo da noite
    ouvi o estranho alarde da multidão e o passo marcial,
    o estranho alarde da multidão e o passo marcial.

    Pelas vigias das cavernas dos Montes de Beter
    vi tochas, acesas em segredo,
    tochas acesas em segredo.

    E entre as frestas das rochas abriram-se portas,
    e ali bigornas de ferro, e fogo em toda parte,
    bigornas de ferro, e fogo em toda parte.

    E como um mar expelido, como uma avalanche de montanha,
    em silente conspiração
    de fora mil milhares romperam numa torrente,
    mil milhares romperam numa torrente.

    Esquisitos e estranhos. Porém por vezes reconhecia
    entre eles rostos mui preciosos cuja falta sentia,
    rostos mui preciosos cuja falta eu sentia.

    De Dachau, Varsóvia, Kiev, de Treblinka – um grande
    exército, que o inimigo matara dia e noite,
    que o inimigo matara dia e noite.

    Das profundezas da terra e dos caminhos subterrâneos chegaram,
    e o aço frio da morte em seu coração levaram,
    o frio da morte em seu coração levaram.

    E cada um calado se postou junto a uma chama,
    e o aço frio da morte entregou-se ao malho,
    o frio da morte entregou-se ao malho.

    E pai e avô, e irmão e irmã, e mulher e criança,
    tempera, tempera, malha, malha, brume o aço,
    tempera, malha, malha, brume o aço.

    E um terrível segredo selou todos os lábios juntos:
    Esconde-te Germânia edomita, esconde-te com temor,
    Germânia edomita, esconde-te com temor!

    Sch. Schalom
    Tradução: Zipora Rubinstein



  • NA RUA VAZIA

    Na rua vazia, toa veneziana fechada.
    Donde vim? E para onde
    vou? Bloco
    cinzento de casas ao sol ardente. Não é aqui

    o meu lar. Esta rua não me pertence. Meu lar
    não é aqui; o sol arde
    sob meus pés. Ninguém comigo, em toda a rua não há quem possa dar-me

    resposta, uma única palavra redentora...
    - E de repente o carro surge,
    rostos máscaras... Grito... e uma mão estendida...
    Meu Deus, meu Deus, abre, abre-me uma porte!

    Túvia Rivner
    Tradução de Zipora Rubinstein


  • COMIGO LEVAREI PARA SEMPRE


Comigo levarei para sempre com o coração pulsante, com tristeza Maidanek e Treblinka, o gueto enfurecido Escavada pelos versículos do profeta, por maldição e tempestade, Em ti soprará a sua areia desolada. - Tu olvidarás, ingênua e conscientemente tal como o pecador ao seu vício torna. Por meu amor! (Um tal amor ainda não conheceste). Acenderei em tua memória o seu lúgubre canto. Seu aspecto – silêncio em majestosa sabedoria e dor, seu aspecto – semblante cortado pelo destino, horror. Como construirás a parede de teu lar e o portão, pois esta voz bater-te-á na janela como a luz.
Iochved Bat-Miriam
Tradução de Zipora Rubinstein